O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, se opõe à anistia aos envolvidos nos ataques antidemocráticos do 8 de janeiro. Em entrevista exclusiva ao GLOBO, o ministro afirma que não cabe ao Congresso Nacional reduzir as penas dos envolvidos e afirma que o melhor cenário seria concluir o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ainda este ano.
Leia a íntegra
O STF enfrenta cobranças para reavaliar as punições impostas aos envolvidos no 8 de Janeiro. Como o senhor vai contornar essa pressão?
Eu não ligo para pressão, embora não seja indiferente ao sentimento social. O Supremo aplicou a legislação editada pelo Congresso nos julgamentos do 8 de Janeiro. A solução para quem acha que as penas foram excessivas é uma mudança na lei. Não acho que seja o caso de anistia, porque anistia significa perdão. E o que aconteceu é imperdoável. Mas redimensionar a extensão das penas, se o Congresso entender por bem, está dentro da sua competência.
Uma mudança legislativa poderia afetar os casos já julgados?
Poderia. Por exemplo: se a lei disser que não se acumulam (os crimes de) golpe de Estado com a abolição violenta do Estado de Direito, ou, em vez de tratar como crimes distintos, prever apenas um aumento de pena, isso importaria em uma redução. E teria incidência imediata. Estou dizendo uma possibilidade. Não cabe a mim essa decisão, e sim ao Congresso.
O presidente da Câmara, Hugo Motta, adiou a votação do projeto de anistia para buscar consenso entre os três Poderes. Como o STF tem participado dessas conversas?
O presidente da Câmara é um exemplo de civilidade e de boas relações. Estamos abertos a conversar sobre todas as questões que ele considera importantes. Mas sobre a anistia, especificamente, não temos conversado. Não é o termo próprio para o que está em discussão. Anistia é algo que só se cogita depois de uma punição, para se conceder perdão. Na maior parte dos processos (do 8 de Janeiro) ainda nem aconteceu a condenação, e muito menos me parece que seja o caso de perdão. O que eu tenho ouvido, que é um sentimento em alguns segmentos, é que as penas são pesadas. Portanto, se a ideia for ter penas mais leves, é o caso de modificar a legislação.
Há espaço para discutir a revisão de penas do 8 de Janeiro no STF?
Do ponto de vista do Direito vigente hoje, penso que não.
O STF vai concluir até o fim do ano a ação dos réus acusados de comandarem a trama golpista, como o ex-presidente Jair Bolsonaro?
Seria desejável, desde que compatível com o processo legal. Ainda é preciso ouvir as testemunhas, produzir provas e saber se é possível julgar este ano. Embora a aplicação do Direito e o processo eleitoral sejam coisas distintas, se pudermos evitar que ocorram simultaneamente, é desejável.
Por quê?
Porque são decisões que impactam o momento eleitoral. É melhor que as questões de Direito sejam julgadas em um ambiente não eleitoral.
Bolsonaro e aliados têm dito que o STF comete excessos, como intimá-lo na UTI e lacrar celulares durante o julgamento. Isso afeta a Corte?
Não. São duas situações completamente diferentes. A vida virou uma representação para cortes na rede social. Portanto, às vezes, as pessoas, em vez de desempenharem o seu papel, criam um factoide para postar. Para evitar isso, a Primeira Turma não permitiu filmagens. Quanto à citação na UTI, o ministro Alexandre (de Moraes) constatou que, se o (ex) presidente podia participar de lives, poderia receber citação. Ou você está inabilitado por razões de saúde para participar de atividades públicas ou está habilitado. Não pode estar para certas coisas e não para outras.
O ministro Alexandre de Moraes virou um dos protagonistas do STF. Há discordâncias na Corte em relação a atos dele?
Ele desempenhou muito bem esse papel, com coragem e custo pessoal imenso. Você não imagina o que é ser permanentemente ameaçado de morte, assim como a sua mulher e os seus filhos. Não trato com desimportância o que ele sofreu. Acho que ele tem o protagonismo que mereceu, por ter desempenhado bem o papel, e paga os preços por isso. Mas as decisões dele têm o apoio expressivamente majoritário do Supremo. Minha análise geral de como ele conduziu as coisas é extremamente positiva e acho que ele serviu bem ao país. Se eu tivesse ou se tive alguma discordância, eu manifestaria diretamente a ele.
O STF também foi criticado pela revista inglesa “The Economist”, que contestou o poder e a visibilidade dos ministros da Corte, o que foi rebatido pelo senhor em nota. Por que o Supremo tem recebido esses questionamentos?
O Supremo desempenha o papel que a Constituição atribuiu a ele. Nem mais, nem menos. Houve globalmente a construção de uma narrativa, liderada geralmente por extremistas, de que, no Brasil, teria acontecido censura ou algum tipo de atuação fora do devido processo legal. A afirmação é absurdamente falsa. A revista embarcou um pouco nesta compreensão. Uma das críticas é que o Supremo interfere nos outros Poderes. Essa queixa acontece geralmente porque as pessoas não gostam da decisão. Não posso me abster de decidir porque o Congresso não legislou.
O Congresso alega que a decisão de não tratar de determinados temas também é uma forma de legislar…
A frase é correta. Quando o Congresso não decide, às vezes, é porque não conseguiu consenso ou porque acha que a matéria não está madura para ter um pronunciamento legislativo. Só que isso não me exime do dever de julgar os processos que chegam ao STF. Eu não posso me abster de decidir o que eu tenho que decidir porque o Congresso não legislou. O fato de não ter lei não faz com que o problema não exista.
O Congresso tem feito investidas contra o STF com projetos que propõem limitar a atuação da Corte. Como é possível retomar a harmonia entre os Poderes?
Não acho que o Congresso tenha feito investidas contra o Supremo. Está cumprindo o seu papel, porque é uma caixa de ressonância das preocupações da sociedade. Não vejo como quebra de harmonia. São discussões num espaço institucional adequado. Nossas relações com o Congresso são as melhores possíveis. Mas isso não significa necessariamente concordância em tudo. O que me preocupa é o extremismo, a atuação antidemocrática. O Congresso, que já sofreu com uma ditadura, sabe a importância de jogar de acordo com as regras.
O Judiciário tem sido alvo de críticas em função de gastos com penduricalhos. Levantamento do GLOBO mostrou que os tribunais pagaram quase R$ 7 bilhões de remunerações acima do teto salarial em 2024. Que medida o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pode tomar para evitar eventuais abusos?
No Judiciário federal, não acontece nenhum tipo de abuso. Nos Judiciários estaduais, existem situações que têm sido denunciadas pela imprensa, mas é preciso lembrar que não é o Orçamento federal, mas sim o orçamento dos estados, que muitas vezes é regido pela legislação dos estados. Mas a corregedoria do CNJ está atenta. O Judiciário vive dentro do seu orçamento. Portanto, não há extrapolação. Dizer que o Judiciário contribui para o desajuste fiscal está errado, porque não gastamos além do previsto.
O senhor considera certo juízes ganharem acima do teto previsto na Constituição?
Como cidadão, sempre que vejo um abuso, eu me sinto infeliz. Apenas é preciso distinguir o que é legítimo do que é ilegítimo. As situações de abuso são inaceitáveis. Nem todas estão sob a nossa jurisdição, porque algumas coisas acontecem em estados. Mas elas são muito indesejáveis.
Depois do episódio do homem-bomba, os ataques e ameaças ao STF cessaram ou continuam ocorrendo?
A apuração da segurança do STF é que aumentaram muito por ocasião do recebimento da denúncia (contra Bolsonaro). Mensagens agressivas. Acho que risco físico, não.
O senhor chegou a tirar as grades que ficavam em torno do STF, mas elas foram recolocadas após o ataque a bomba em novembro do ano passado. Vai retirá-las de novo?
O extremismo vai sendo progressivamente empurrado para a margem da História. Às vezes, demora um pouco mais do que gostaríamos. O país viveu um momento de tensão institucional, mas está ficando para trás. Espero retirar as grades em breve, ainda na minha gestão.
O seu mandato na presidência do STF termina em setembro. Pretende antecipar a aposentadoria?
Não tenho nenhum compromisso. Nem de sair nem de ficar. Mas posso ficar até 75 anos. Está longe. Estou um pouco cansado, mas estou feliz com a vida que levo.
Nesse período em que esteve na presidência do STF, o senhor se arrepende de não ter feito algo?
Eu gostaria que o país tivesse uma consciência melhor sobre a questão do aborto, para podermos avançar nessa agenda. Infelizmente, ainda não tem. Você pode ser contra, pode pregar contra e pode não fazer e ainda assim ter a percepção de que isso é diferente de achar que a mulher que tenha passado por essa situação deva ser tratada como criminosa e colocada na cadeia. São coisas completamente diferentes. É altamente discriminatório o tratamento que se dá no Brasil. Isso me parece muito óbvio, mas não é o sentimento dominante na sociedade, nem tenho certeza se é o sentimento dominante aqui no Supremo.
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