Uma pesquisa inédita na Paraíba revelou a presença da bactéria Brucella - que causa a doença brucelose - em seres humanos, especificamente em trabalhadores de abatedouros. O estudo, realizado entre dezembro de 2021 e fevereiro de 2022, e publicado em um revista internacional neste mês de março de 2025, marcou o primeiro registro de brucelose humana no estado. Até então a doença só era identificada em animais, especialmente bovinos.
A brucelose é uma doença zoonótica, transmitida de animais para seres humanos, e afeta principalmente trabalhadores expostos ao manejo de animais, como os que atuam nos abatedouros. Durante o estudo, foram testados 188 trabalhadores de abatedouros, com idades entre 18 e 65 anos, localizados em municípios como Campina Grande, Patos, Santa Rita, Sapé, Itapororoca e Mamanguape. A pesquisa revelou que 4,2% dos participantes (16 trabalhadores) apresentaram resultados positivos para a doença.
O estudo também revelou uma falta de conscientização entre os trabalhadores, já que 15 dos 16 indivíduos que testaram positivo para brucelose declararam não conhecer a doença. A pesquisa foi realizada por meio da coleta de amostras de sangue dos trabalhadores, sendo a presença da bactéria Brucella detectada por testes sorológicos e PCR.
Em áreas como a Paraíba, onde o controle da brucelose nos rebanhos é voluntário, a doença pode ser subdiagnosticada e subnotificada, tornando ainda mais difícil o monitoramento e controle. Os resultados do estudo são um alerta para outras regiões do Brasil e, particularmente, para outros estados do Nordeste, onde o risco de transmissão da doença é igualmente elevado.
A brucelose é conhecida por causar sérios problemas de saúde, como febre, dores articulares e, em alguns casos, infertilidade, além de complicações graves quando não tratada adequadamente. Portanto, a detecção precoce e a conscientização sobre a doença são essenciais para a prevenção e para a implementação de medidas de controle efetivas.
Momento da coleta de sangue em trabalhadores — Foto: Arthur Willian/Arquivo Pessoal
A pesquisa focou em trabalhadores de abatedouros, um dos principais grupos de risco para a brucelose, dada a exposição contínua ao contato com carne e vísceras de animais infectados. A pesquisa revelou uma alta prevalência da doença entre esses trabalhadores, especialmente entre aqueles que manipulam carne mal passada ou produtos de origem animal sem a devida inspeção sanitária.
Os dados obtidos mostraram que o consumo de carne mal passada estava fortemente associado ao número de casos positivos para a brucelose. "Houve uma associação estatisticamente significativa entre o consumo de carne mal passada e o número de positivos", afirmou o doutor Arthur William de Lima Brasil, um dos pesquisadores que participou da pesquisa.
A brucelose em humanos pode se manifestar com sintomas como febre intermitente, dores articulares, orquite e até infertilidade, sendo a transmissão mais comum associada ao contato direto com os animais ou à ingestão de produtos contaminados.
O estudo foi baseado em uma amostra de trabalhadores de abatedouros selecionados por amostragem aleatória simples, com critérios específicos para inclusão. Os participantes eram maiores de idade - mulheres não podiam estar grávidas, para evitar complicações com o sistema imunológico. A pesquisa começou com uma abordagem cautelosa e conversa com os trabalhadores para explicar os objetivos do estudo e garantir que os participantes estivessem confortáveis em participar. Foi aplicado um questionário epidemiológico, que abordava hábitos de consumo, condições de trabalho e histórico de saúde.
A adesão ao estudo foi facilitada após esclarecimentos sobre a natureza da pesquisa, uma vez que, inicialmente, havia resistência com alguns trabalhadores acreditando que os testes seriam relacionados ao uso de drogas, por exemplo.
Conversa com a os participantes da pesquisa — Foto: Arthur Willian/Arquivo Pessoal
Os resultados da pesquisa revelaram dados alarmantes sobre a prevalência da brucelose entre os trabalhadores de abatedouros. A pesquisa identificou a presença de Brucella no sangue de um número significativo de trabalhadores, com destaque para aqueles que manipulam carne e vísceras sem a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) adequados.
"A resistência ao uso de EPIs é um problema grave, porque, sem eles, os trabalhadores ficam vulneráveis ao contato com o sangue e as vísceras dos animais infectados", afirmou o pesquisador.
Além disso, o estudo apontou que a falta de inspeção adequada nos abatedouros privados e públicos contribui para a disseminação da doença. A pesquisa indicou que muitos abatedouros não realizam os testes necessários para detectar a brucelose nos animais antes do abate, o que aumenta o risco de contaminação dos produtos consumidos pela população.
Brucelose é causada por bactéria e atinge mamíferos — Foto: TV Globo
A brucelose não só afeta os trabalhadores diretamente expostos, mas também representa um risco para a saúde pública, uma vez que os consumidores de produtos contaminados, como carne e leite não inspecionados, também estão em risco. A doença pode causar complicações sérias, como infertilidade, dores articulares e até óbitos, em casos mais graves.
O tratamento de brucelose requer o uso de antibióticos potentes, o que pode sobrecarregar o Sistema Único de Saúde (SUS), além de gerar custos elevados. "Essa doença onera bastante o SUS, pois o tratamento é longo e exige o uso de antibióticos fortes", apontou Arthur Willian.
A falta de diagnóstico adequado, especialmente em áreas com baixa cobertura de saúde e conhecimento sobre a doença, dificulta a prevenção e o tratamento precoce.
Uma das maiores lacunas identificadas pela pesquisa foi a resistência ao uso de EPIs nos abatedouros, o que facilita a transmissão da doença entre os trabalhadores. Além disso, a infraestrutura precária e a falta de programas obrigatórios de vacinação dos rebanhos contribuem para a propagação da brucelose.
Pesquisador Arthur Willian ao lado de uma das autoras da pesquisa, Thais de Sousa de Matos, estudante de graduação do curso de Biomedicina da UFPB — Foto: Arthur Willian/Arquivo Pessoal
O estudo na Paraíba tem implicações não apenas para a saúde pública local, mas também para a saúde pública global. A brucelose é uma preocupação crescente em países emergentes, como China e Índia, e agora, com os dados obtidos na Paraíba, torna-se um alerta para outras regiões do Brasil e para países em desenvolvimento.
"Eu acredito que a internacionalização da pesquisa pode motivar outros países, principalmente os emergentes, a monitorar a saúde das pessoas que trabalham com produtos de origem animal e garantir que os alimentos estejam livres da bactéria Brucella antes de serem comercializados", afirmou o pesquisador.
A descoberta de casos de brucelose em humanos na Paraíba, até então não diagnosticados, pode incentivar uma maior fiscalização e a adoção de políticas públicas mais rigorosas, com o objetivo de erradicar a doença.
A brucelose deve ser uma prioridade nas políticas de saúde pública, com maior ênfase na testagem massiva, campanhas educativas e, principalmente, na regulamentação de condições sanitárias adequadas nos abatedouros e no controle do rebanho bovino. Isso inclui a adesão voluntária dos produtores ao programa de vacinação contra a doença, algo que ainda não é obrigatório, mas que poderia reduzir a transmissão.
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