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Dólar e oferta menor subirão preços de alimentos em 2025

Por O Globo    Sábado, 2 de Novembro de 2024


Apesar da previsão de safra recorde de grãos e de um clima favorável em 2025, economistas estimam que preços de alimentos importantes da cesta de consumo das famílias deverão aumentar no próximo ano. A combinação de dólar mais alto e oferta restrita de alguns produtos aponta para reajustes entre 4,5% e 11% em itens como café, frango, ovos e óleo de soja.

Analistas já veem a inflação de alimentos em até 7,4% em 2025. O aumento supera a inflação geral projetada para o ano que vem, que está em torno de 4%, conforme o Boletim Focus, que reúne as estimativas do mercado. No ano, a moeda americana já subiu 19,2% e chegou R$ 5,869 ontem, o maior patamar do governo Lula.

Só o preço das carnes deve subir até 16,1% em 2025. Se confirmado, será o maior aumento em cinco anos: em 2020, foi de 17,97%. Após um alívio em 2023, o custo da proteína vem subindo este ano, motivado por uma redução na oferta de gado no campo, alta da demanda interna e da exportação elevada.

Alexandre Maluf, economista da XP, espera reajuste de 7,4% para alimentação no domicílio em 2025, em parte puxado pelas carnes. Ele conta que o mercado financeiro tem sido surpreendido com a alta recente da arroba do boi, cujo repasse para o consumidor tem sido mais rápido do que o esperado.

Maluf projeta um aumento de pelo menos 12,5% da carne bovina este ano e avanço de 16,8% no ano que vem. A carne suína e o frango, por sua vez, devem ficar 13% e 11% mais caros no próximo ano, respectivamente.

— É uma pressão forte no setor de proteínas. Esse ciclo (de alta das carnes) deve se estender até 2026. O cenário global está ainda pior, com restrições de oferta nos Estados Unidos.

 

Alta de carnes

 

A arroba do boi gordo alcançou R$ 300 no dia 16 de outubro, segundo levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP. Esse patamar não era atingido há 20 meses. Segundo boletim do Cepea, os novos preços indicam uma inversão de tendência e refletem principalmente a baixa oferta de animais para abate.

Inflação/ preços — Foto: Criação O Globo
Inflação/ preços — Foto: Criação O Globo

Thiago Bernardino de Carvalho, pesquisador da área de pecuária do Cepea, acrescenta que os preços das carnes já vêm subindo pela conjuntura desfavorável no campo. Historicamente, a falta de chuvas entre maio e setembro reduz a quantidade de pasto disponível para o gado. Neste ano, porém, o cenário foi agravado pelas queimadas:

— Falta gado pesado pronto para o abate. Isso tem impacto diretamente nos preços da carne e do leite. A perspectiva para o ano que vem realmente é ter preços mais elevados.

Outro fator que contribui para a redução da oferta de carne é o aumento da demanda externa, impulsionado principalmente por China e novos mercados, que provoca o desvio da produção para as exportações, cita José Carlos Hausknecht, sócio-diretor da MB Agro.

O especialista explica ainda que o ciclo da pecuária deve se reverter em 2025, com uma diminuição no abate de fêmeas, à medida que os preços elevados incentivam os pecuaristas a retê-las para a produção de bezerros. Esse movimento ocorrerá após um intenso abate nos últimos dois anos.

— O preço da arroba do boi pode subir entre 10% e 20% em 2025, a depender do nível de retenção de fêmeas no ano que vem. A expectativa é que os preços de carnes realmente fiquem pressionados, e isso acaba afetando outras proteínas.

Fábio Romão, economista da LCA Consultores, tem projeção mais conservadora para a inflação de alimentos em 2025: alta de 3,7%. Ainda assim, cita que parte dessa alta virá dos preços das carnes, que devem subir em média 6,3% no período:

— A alta da carne provoca o efeito de substituição — diz ele, que espera que frango e ovos fiquem 4,5% mais caros no ano que vem.

 

Café sobe até 32%

 

Andrea Angelo, estrategista de inflação da Warren Investimentos, prevê aumento de 5,5% na alimentação no domicílio. Ela alerta que a continuidade do patamar elevado do dólar adiciona mais riscos inflacionários à estimativa. A carne bovina deve subir 10% em 2025, seguido das altas de 6,2% da carne suína e 5,3% do frango.

Inflação/ preços — Foto: Criação O Globo
Inflação/ preços — Foto: Criação O Globo

Outro produto destacado pelos economistas é o café. A seca e as altas temperaturas têm prejudicado a produção do grão, e a previsão também é de safra reduzida no ano que vem. Tudo isso num cenário de diminuição da oferta do grão em outros países, o que piora a situação.

Andréa estima que o preço do café suba ao consumidor 22,5% este ano e 7% no próximo, por causa de “safras com desempenho ruim”, diz ela.

Já nas contas de Romão, da LCA, o café deve fechar o ano com alta acumulada de 32% e ter novo aumento de 11% em 2025. Segundo ele, o resultado é reflexo das queimadas e de um ciclo de baixa produtividade nas lavouras.

Um agravante no cenário de alimentos é o dólar. Segundo Andréa, da Warren, o câmbio mais alto, entre R$ 5,40 e R$ 5,55, afeta os preços no varejo, a exemplo dos produtos panificados já que boa parte do trigo é importado, diz ela. E a tendência é que novas altas sejam repassadas conforme o dólar aumenta.

— O câmbio atrapalha muito. E o que favorece o repasse cambial é a atividade resiliente, com mercado de trabalho forte e aumento da renda. Tudo isso cria um efeito psicológico: as empresas mal perceberam que o câmbio se estabilizou em um patamar elevado e já repassam esse custo.

 

Frutas mais caras

 

O óleo de soja também deve ficar mais caro ano que vem, cita o economista da XP, que espera alta de 8%. Maluf avalia que a previsão de safra recorde de soja pode ajudar a segurar um pouco o preço do produto, mas parte desse alívio deverá ser compensado pela depreciação cambial e pela demanda por biodiesel após a aprovação do projeto de lei “Combustível do Futuro”.

— Embora tenhamos uma boa produção de grãos, o efeito da variação de preço não será muito significativo devido ao cenário já negativo — explica Maluf.

Já Andrea, da Warren, tem na conta um recuo de 2,8% sobre o óleo de soja no ano que vem, diante da safra 12,7% maior prevista pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para 2024/2025, mas alerta que o item é especialmente vulnerável às oscilações do dólar.

As frutas são outro foco de pressão. Segundo Romão, da LCA, a alta deverá ser de 10,1% em 2025, taxa alta para o grupo de produtos que já subiu 15,9% este ano. O aumento será puxado principalmente pela laranja, diz o economista. A doença greening, que afeta plantas cítricas, atrapalhou a produção e a precificação de produtores, além de dificultar a recuperação dos pomares prevista para 2025.

Em compensação, arroz, feijão e alguns alimentos in natura devem ficar mais baratos, já que não há previsão de fenômenos climáticos como El Niño e La Niña, que afetaram fortemente a produção agrícola este ano.

Romão projeta uma deflação em cereais e leguminosas (que inclui arroz e feijão), com redução de até 5,6%. Tubérculos e raízes (que inclui batata e cenoura), também podem ficar mais baratos, com queda de 2,7%, enquanto os preços de hortaliças e verduras devem recuar 0,4%.

— Falar de normalidade hoje em dia é complicado. (...) Mas, sem esses efeitos climáticos que alteram muito o volume e a distribuição das chuvas, aumenta a chance da agricultura ter boas safras. Pode ser que tenhamos uma inflação de alimentos dentro da meta. E isso,para as famílias de baixa renda que gastam mais com alimentos, é como se conseguíssemos preservar o poder de compra delas — pondera André Braz, coordenador da área de preços ao consumidor do Ibre/FGV.

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