O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou nesta terça-feira (26) o sigilo do relatório final da investigação conduzida pela Polícia Federal sobre uma tentativa de golpe de Estado em 2022.
O documento, que tem mais de 800 páginas, reúne as conclusões da PF sobre uma trama, arquitetada pelo entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), para frustrar a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em janeiro de 2023.
A corporação indiciou 37 pessoas por envolvimento na suposta tentativa de golpe, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O inquérito foi encaminhado, por Moraes, à Procuradoria-Geral da República (PGR), que poderá — ou não — apresentar denúncia contra o grupo.
As conclusões da PF apontam, por exemplo, que o então presidente Bolsonaro "efetivamente planejou, ajustou e elaborou um decreto que previa a ruptura institucional". Os investigadores dizem que ele tinha "plena consciência e participação ativa" nas ações.
O relatório também afirma que o general Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, aprovou o plano para assassinar o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
Outros pontos do relatório relvam adesão de militares de alta patente à trama, como ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos. Mensagens obtidas pela investigação afirmam, por exemplo, que "tanques no Arsenal" da Força estavam "prontos" para o golpe.
Confira, a seguir, nesta reportagem os principais pontos do relatório da Polícia Federal (clique no link para seguir ao conteúdo):
Ex-Presidente Jair Bolsonaro fala com a imprensa após chegar no aeroporto de Brasília. — Foto: Ton Molina/Estadão Conteúdo
O relatório da Polícia Federal afirma que Jair Bolsonaro tinha "plena consciência e participação ativa" nas ações do grupo que debatia a possibilidade de um golpe de Estado no Brasil.
O documento aponta que o grupo deu início a ações para subverter a ordem constitucional e impedir a posse de Lula, eleito em 2022, com conhecimento do então presidente.
Bolsonaro, de acordo com a PF, fez, por exemplo, transmissões ao vivo e reuniões para inflamar e sustentar narrativas de fraude nas eleições.
Segundo a Polícia Federal, as provas obtidas no inquérito demonstram de "forma inequívoca" que o então presidente "planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa" que tramava o golpe.
Os investigadores afirmam, ainda, que o então presidente Bolsonaro tentou recorrer a instâncias inferiores das Forças Armadas para buscar respaldo a um golpe de Estado.
Segundo a Polícia Federal, o então comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, se colocou à disposição. Já os comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, disseram que não adeririam a qualquer plano do tipo.
"Diante da recusa dos então comandantes do Exército e da Aeronáutica em aderirem ao intento golpista, o então presidente Jair, no dia 09 de dezembro de 2022, reuniu-se com o General Estevam Theophilo, comandante do Coter, que aceitou executar as ações a cargo do Exército e capitanear as tropas terrestres, caso o então presidente Jair Bolsonaro assinasse o decreto", diz a PF.
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Minuta de golpe no WhatsApp de Jair Bolsonaro — Foto: Reprodução
O documento entregue pela PF ao Supremo afirma que o então presidente Jair Bolsonaro "efetivamente planejou, ajustou e elaborou um decreto que previa a ruptura institucional".
A chamada "minuta de decreto golpista" previa, entre outras medidas, a anulação das eleições para garantir Bolsonaro no poder.
Em seu depoimento, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, afirmou em depoimento que o ex-presidente pediu alterações na minuta de decreto golpista.
Segundo Cid, o então presidente determinou que dois pontos principais fossem mantidos: "a determinação de prisão do Ministro ALEXANDRE DE MORAES e a realização de novas eleições presidenciais".
As ações golpistas, de acordo com a investigação, só não avançaram em razão da resistência de militares, como os então comandantes do Exército Freire Gomes e da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Junior.
Print da conversa em que militares dizem que Bolsonaro rasgou documento assinado — Foto: Reprodução/ PF
Mensagens obtidas pela PF revelam, ainda, que um possível decreto golpista assinado por Jair Bolsonaro teria sido destruído por integrantes do Alto Comando do Exército.
Em mensagens entre Mauro Cid e Sérgio Cavalieri, prints de conversas com um interlocutor chamado "Riva" trazem detalhes de uma reunião entre Bolsonaro, seu vice-presidente Hamilton Mourão, e generais do Alto Comando (veja as imagens acima).
Segundo "Riva", Mourão teria negociado a saída de Bolsonaro em referência a uma tentativa de golpe no Peru. Ele afirma que, nessas negociações, os generais decidiram destruir o documento assinado por Bolsonaro, que, segundo ele, poderia ser o decreto golpista.
"Rasgaram o documento que o 01 assinou", escreveu Riva, usando o apelido "01" para se referir ao ex-presidente.
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A investigação conduzida pela Polícia Federal também concluiu que o ex-ministro da Defesa Braga Netto aprovou o plano para assassinar os então presidente e vice-presidente eleitos Lula e Geraldo Alckmin, e o ministro do STF Alexandre de Moraes.
O plano, elaborado pelo general da reserva Mario Fernandes — preso na última semana, foi apresentado a Braga Netto, em reunião na casa do ex-ministro de Bolsonaro em novembro de 2022.
Segundo a PF, o planejamento chamado de "Punhal Verde e Amarelo" falava em assassinar, em dezembro de 2022, Lula, Alckmin e Moraes.
Na casa de Braga Netto, o tenentes-coronéis Mauro Cid e Ferreira Lima, e o major Rafael de Oliveira discutiram o plano junto a Braga Netto, que teria aprovado o documento.
"A reunião contou com o tenente-coronel MAURO CESAR CID, o Major RAFAEL DE OLIVEIRA e o Tenente-Coronel FERREIRA LIMA, oportunidade em que o planejamento foi apresentado e aprovado pelo General BRAGA NETTO", diz a PF.
Conversa entre ex-assessor especial de Bolsonaro e o policial federal preso por planejar matar Lula, Alckmin e Moraes — Foto: Reprodução
A PF afirma que o grupo de militares recuou do plano para matar o ministro do STF Alexandre de Moraes por falta de adesão da cúpula das Forças Armadas.
O planejamento, chamado de "Punhal Verde Amarelo", previa também o assassinato de Lula e Alckmin.
Em 15 de dezembro, segundo apuração da PF, militares estavam em pontos estratégicos de Brasília para capturar Moraes e executá-lo. Em dado momento, eles decidem abortam a missão.
O motivo, de acordo com os investigadores, foi a falta de adesão de militares ao plano.
"Apesar de todas as pressões realizadas, o general Freire Gomes e a maioria do alto comando do Exército mantiveram a posição institucional, não aderindo ao golpe de Estado. Tal fato não gerou confiança suficiente para o grupo criminoso avançar na consumação do ato final e, por isso, o então presidente da República Jair Bolsonaro, apesar de estar com o decreto pronto, não o assinou. Com isso, a ação clandestina para prender/executar ministro Alexandre de Moraes foi abortada", afirma a PF.
O ex-presidente Jair Bolsonaro e ex-comandantes das Forças Armadas, em imagem de arquivo — Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A Polícia Federal concluiu, no documento enviado ao Supremo, que a trama golpista do entorno de Bolsonaro não se concretizou por falta de apoio junto ao comandantes do Exército e da Aeronáutica.
Os investigadores afirmam que as ações não aconteceram por circunstâncias "alheias à vontade" de Bolsonaro.
De acordo com a PF, somente Garnier Santos demonstrou apoio aos planos golpistas. Por outro lado, a maioria do Alto Comando do Exército e os comandantes de Exército e Aeronáutica permaneceram, de forma "inequívoca", "fiéis aos valores que regem o Estado Democrático".
"A consumação do golpe de Estado perpetrado pela organização criminosa não ocorreu, apesar da continuidade dos atos para conclusão da ruptura institucional, por circunstâncias alheias à vontade do então presidente da República Jair Bolsonaro, no caso, a posição inequívoca, dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, general de Exército Freire Gomes e Tenente-Brigadeiro do Ar Carlos de Almeida Baptista Junior, e da maioria do Alto Comando do Exército, de permanecerem fieis aos valores que regem o Estado Democrático de Direito, não cedendo às pressões golpistas."
Braga Netto em 25 de março de 2022 — Foto: Evaristo Sa/AFP
Um dos personagens que atuou ativamente para reunir apoio ao plano golpista, segundo a Polícia Federal, foi o ex-ministro da Defesa Braga Netto.
Segundo a PF, o ex-candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro pressionou os "comandantes da Aeronáutica e do Exército a aderirem ao plano que objetivava a abolição do Estado Democrático de Direito".
Braga Netto teria utilizado, ainda de acordo com o inquérito, de um mecanismo semelhante às milícias digitais.
"Conforme consta nos autos, BRAGA NETTO utilizou o modo de agir da milícia digital, determinando a outros investigados que promovessem e difundissem ataques pessoais ao General FREIRE GOMES e ao Tenente-Brigadeiro BAPTISTA JÚNIOR, além de seus familiares", diz a PF.
'Lula não sobe a rampa', diz documento — Foto: Reprodução
Documento obtido pela Polícia Federal em um grupo que tramava a inversão da ordem democrática dizia que, entre outras medidas, Lula não subiria a rampa, em referência à entrada principal do Palácio do Planalto, que é o símbolo do ato de posse de um presidente eleito.
O plano foi encontrado na sede do Partido Liberal, na mesa do coronel Flávio Botelho Peregrino, assessor do general Braga Netto.
O título era "Operação 142", baseada em uma interpretação distorcida do artigo 142 da Constituição Federal, que trata do papel das Forças Armadas.
De acordo com a PF, o plano indica que havia "uma possibilidade aventada pelos investigados como meio de implementar uma ruptura institucional após a derrota eleitoral do presidente JAIR BOLSONARO".
O documento detalhava ações que incluíam "interrupção do processo de transição", "mobilização de juristas e formadores de opinião" e "preparação de novas eleições".
Outras medidas indicavam "anulação das eleições", "prorrogação dos mandatos", "substituição de todo TSE" e, sob o tópico “Estado Final Desejado Político (EFD Pol)”, o texto afirmava explicitamente: "Lula não sobe a rampa".
Para a Polícia Federal, o documento demonstra que Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, e seu entorno tinham "clara intenção golpista, com o objetivo de subverter o Estado Democrático de Direito, utilizando uma interpretação anômala do art. 142 da CF, de forma a tentar legitimar o golpe de Estado".
Tanques blindados em Brasília — Foto: TV Globo/Reprodução
Em outras mensagens obtidas pela PF, um contato chamado "Riva" diz que o então comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, era um aliado estratégico.
No diálogo, "Riva" afirma que "tinham tanques no arsenal prontos", indicando uma possível preparação militar para apoiar o intento golpista.
Em resposta, o interlocutor sugere que Bolsonaro, referido como "01", deveria ter tomado uma atitude mais decisiva com a Marinha, afirmando que, se isso tivesse ocorrido, "o Exército e a Aeronáutica iriam atrás".
Avião com Bolsonaro deixa o aeroporto de Brasília — Foto: Ueslei Marcelino/Reuters
O relatório da Polícia Federal diz que havia um plano de fuga para Jair Bolsonaro nos Estados Unidos.
O ex-presidente viajou ao país no final de 2022, depois de as supostas tentativas de golpe terem sido frustradas. Lá fora, de acordo com a PF, Bolsonaro aguardaria o desfecho do 8 de janeiro de 2023.
Segundo o relatório, além do 8 de janeiro, a fuga também pode ter sido motivada pelo receio de prisão. Bolsonaro ficou três meses nos EUA.
De acordo com o relatório, o plano foi dividido em três etapas principais:
Para a PF, o plano para Bolsonaro fugir "demonstra o nível de comprometimento de parte de sua base com a ruptura institucional".
"A criação de uma rede de apoio militar para retirar o ex-presidente do país reflete o temor de que ele pudesse ser responsabilizado por seus atos após deixar o cargo", diz a corporação.« Voltar