Presidente do Flamengo desde 2019, Rodolfo Landim conquistou 13 títulos nos últimos seis anos, com direito a duas Libertadores. Na segunda-feira, no entanto, a chapa de situação perdeu a eleição no clube. Com taças, acordo para construção do estádio e melhorias na Gávea, por que Landim não conseguiu fazer seu sucessor? O ge apurou as explicações para o resultado do pleito rubro-negro.
Candidato de Landim, Rodrigo Dunshee recebeu 565 votos a menos do que o vencedor, o oposicionista Luiz Eduardo Baptista, o Bap, que vai presidir o Flamengo até o fim de 2027.
A movimentação política do clube nos últimos dois anos ajuda a explicar o cenário. A oposição acredita que faltou diálogo a Landim, o que fez com que muitos aliados mudassem de lado e formassem outros grupos. Concorrentes na eleição, Bap e Maurício Gomes de Mattos integravam a gestão de Landim no início do mandato.
Como presidente do Conselho de Administração, Bap seguia ativo na política e preparou sua base de aliados ao longo dos últimos anos para se tornar candidato com aval ou não de Landim. O empresário pediu apoio ao presidente e inclusive alega que havia um acordo para que ele fosse o escolhido como sucessor na chapa da situação.
Rodrigo Tostes, Gustavo Oliveira, Bap, Landim e Dunshee juntos em Londres — Foto: Reprodução
Landim demorou a revelar o candidato que receberia seu apoio. Internamente, havia dúvida se o atual presidente lançaria Bap ou Dunhsee como nome da situação. O cenário se arrastou por meses, causando insatisfação e apreensão nos bastidores. Em junho de 2024, em jantar com seus apoiadores, Landim anunciou Dunshee como o escolhido.
A decisão gerou uma intensa divisão na política do clube. Em conversa com o ge, alguns pares políticos de Landim revelam que o presidente foi alertado da articulação política ao seu redor, mas acreditou que reverteria a questão. A partir de então, começou uma debandada de vice-presidentes - a maioria em apoio a Bap, que se lançaria candidato logo depois.
Sete dirigentes saíram, entre eles nomes considerados fortes como Rodrigo Tostes (VP de Finanças), Marcelo Conti (VP de Gabinete) e Arthur Rocha (VP de Patrimônio). Além deles, também deixaram a gestão Maurício Gomes de Mattos (VP de Embaixadas e Consulados), PC Pereira (VP de Secretaria), Adalberto Ribeiro (VP de Relações Externas) e Ricardo Campelo (VP de Responsabilidade Social).
- Se o Bap fosse o candidato do Landim, não teria nem eleição. Ninguém ia bater de frente - disse uma fonte ao ge.
O nome de Rodrigo Dunshee apresentou alto índice de rejeição entre os sócios do Flamengo durante o período eleitoral, o que foi confirmado pelas urnas. Havia a lembrança de que seu pai, Antonio Augusto Dunshee de Abranches, fora o presidente responsável pela venda de Zico à Udinese, em 1983.
Rodolfo Landim e Rodrigo Dunshee — Foto: Agência Foto BR
Mas a narrativa que se formou nos corredores da Gávea fazia lembrança a um passado mais recente. Com a debandada de nomes fortes da Chapa Azul original (que entrou no clube no fim de 2012, com a eleição de Eduardo Bandeira de Mello), dirigentes e sócios de diversas correntes passaram a associar Dunshee à "velha política" rubro-negra, aquela que endividou o clube e passou anos sem resultados expressivos no futebol.
Dunshee já havia sido duas vezes presidente do Conselho Deliberativo e VP por três meses na gestão Edmundo Santos Silva. Dos principais nomes da Chapa Azul original, somente o próprio Landim apoiava Dunshee. Os outros figurões daquele grupo de 12 anos atrás dividiram-se entre as chapas de Bap e Maurício Gomes de Mattos.
A atuação de Dunshee (na ocasião já vice-presidente geral e jurídico do clube) na negociação com as famílias das vítimas do incêndio do Ninho do Urubu, em fevereiro de 2019, também despertou intensas críticas de sócios nos últimos meses.
Dunshee e Jhonata Ventura: VP foi quem liderou os acordos com os sobreviventes do incêndio — Foto: Marcelo Cortes/Flamengo
Para aliviar a rejeição identificada dentro do clube ao candidato da situação, Rodolfo Landim se tornou o centro da estratégia de comunicação da chapa. Ainda em setembro, Dunshee anunciou que, em caso de vitória, o atual presidente se tornaria CEO do Flamengo.
No entanto, a imagem de Landim também estava desgastada. As multas gastas com demissões de técnicos - somando R$ 50 milhões - tornaram-se símbolo do que a oposição chamava de amadorismo do departamento de futebol, termo que irritou o vice da pasta, Marcos Braz, em entrevista no dia da eleição.
Além disso, os resultados ruins dos últimos dois anos em campo contribuíram para que a avaliação do presidente piorasse, o que foi agravado pelas conquistas da Libertadores de Fluminense e Botafogo, após quase 10 anos em que o Flamengo reinou no futebol carioca. Nem o título da Copa do Brasil conquistado em 10 de novembro aliviou a pressão.
Rival Botafogo foi campeão da Libertadores e Brasileiro em 2024 — Foto: REUTERS/Agustin Marcarian
Ao longo da campanha, pesquisas também indicavam forte rejeição a Bap, principalmente pelo que era visto como postura arrogante. Porém, o empresário conseguiu chamar para si o discurso de profissionalização, especialmente do futebol. Ganhou o apoio de nomes importantes da Chapa Azul, como Rodrigo Tostes, Cláudio Pracownik e Flávio Willeman, vice de sua chapa.
Considerado uma espécie de mentor intelectual do grupo, Bap fez sua campanha em torno da dicotomia profissionais x amadores. Deu resultado nas urnas, que recebeu a maior votação entre todas as eleições do Flamengo no século XXI: 3.272 votos, superando os 3.039 de 2018.
- A mobilização desta eleição foi muito intensa, muita gente se deslocou ao clube para votar, gente que não está acostumada a ir lá. E foi lá com o objetivo não de eleger o Bap, mas de derrotar Landim e Dunshee - completou outra fonte.
Eleição teve a maior votação do Flamengo no século XXI — Foto: Fred Gomes
Landim anunciou Dunshee como sucessor no dia 18 de junho, mas o lançamento oficial da chapa, por exemplo, só aconteceu no dia 14 de outubro. Mais de um mês depois dos lançamentos de Bap (9 de setembro) e Maurício Gomes de Mattos (5 de setembro).
Inicialmente, o evento estava marcado para o dia 30 de setembro, mas foi cancelado. No mesmo dia, o Flamengo anunciou a demissão de Tite e a contratação de Filipe Luís. Ou seja, por causa do dia a dia agitado do futebol, com direto a troca de técnico em meio a uma disputa de semifinal da Copa do Brasil, a situação demorou a entrar de cabeça na campanha.
Tite em seu último jogo pelo Flamengo, em 30 de setembro no Maracanã — Foto: André Durão/ge
A arquibancada normalmente não é termômetro para o resultado da eleição, mas surpreenderam as manifestações recentes da torcida rubro-negra no Maracanã, que mais de uma vez entoou em coro xingamentos a Landim, principalmente por causa da não renovação com Gabigol.
Ao anunciar a saída do clube, minutos após o título da Copa do Brasil, o atacante fez críticas à diretoria. Ainda que não tenha citado Landim, a reportagem apurou que Gabigol considera o presidente o principal responsável pelo fracasso na negociação da renovação de seu contrato. Em 2023, houve acordo entre o jogador e dirigentes do departamento de futebol para extensão por cinco anos, mas Landim ficou insatisfeito com os números e decidiu não assinar o novo compromisso do atleta.
Cartaz em despedida de Gabigol do Flamengo — Foto: Letícia Marques / ge
A situação saiu derrotada, mas continuará a ter papel ativo no clube. Como teve mais de 30% dos votos, a chapa terá direito a colocar 20 membros no Deliberativo (15 titulares e cinco suplentes) e 18 no Conselho de Administração (12 titulares e seis suplentes). Landim, Dunshee, Marcos Braz, Diogo Lemos e Gony Arruda são os principais nomes da lista - há outros 10 nomes aliados.
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