A movimentação da bancada bolsonarista no Congresso Nacional para reduzir o período de inelegibilidade de políticos condenados, de oito para dois anos, pode contemplar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em apenas parte dos processos nos quais é alvo. Mesmo nesses casos, segundo juristas ouvidos pelo GLOBO, a aplicação de mudanças na legislação aos casos do ex-presidente dependeria de análises do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cuja jurisprudência vai em sentido oposto ao de enfraquecer sanções.
Há a expectativa de aliados de Bolsonaro de que o novo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), dê andamento à tramitação de um projeto de lei complementar que reduz o prazo de inelegibilidade previsto na Lei da Ficha Limpa. A medida poderia beneficiar políticos de todos os pontos do espectro político. O texto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, sob a relatoria do deputado bolsonarista Filipe Barros (PL-PR), designado para a função em dezembro.
Nesta quarta-feira, em entrevista à rádio CBN, Motta reafirmou que o prazo atual de oito anos de inelegibilidade “é basicamente uma eternidade”.
— Quem está na vida pública e teve alguns problemas de condenações, até mesmo injustas, acaba sofrendo com essa questão da inelegibilidade. Oito anos representam quatro eleições no modelo democrático que temos, e quatro eleições é basicamente uma eternidade — disse Motta.
O que diz o projeto da bancada bolsonarista?
O projeto em questão, que foi apresentado pelo deputado federal Bibo Nunes (PL-RS) em 2023, pretende reduzir de oito anos para dois anos o prazo de inelegibilidade se houver condenações por três tipos de conduta: por abuso de poder político ou econômico e uso indevido dos meios de comunicação.
As mudanças, conforme o texto, se restringem a um dos artigos da Lei das Inelegibilidades, de 1990 — que foi ampliada, em 2010, pela chamada Lei da Ficha Limpa.
Isto abarca as condenações sofridas por Bolsonaro?
Sim. Essas foram as condutas pelas quais Bolsonaro sofreu duas condenações pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2023, por disseminar desinformação sobre o sistema eleitoral numa reunião com embaixadores e por uso indevido da comemoração do 7 de Setembro de 2022. Nos dois casos, o TSE tornou Bolsonaro inelegível por oito anos, contados a partir das eleições de 2022. O prazo se esgota às vésperas do pleito de 2030.
Nos dois casos, a defesa de Bolsonaro entrou com recursos no TSE e no Supremo Tribunal Federal (STF). Eles seguem em análise, o que atrasa o “trânsito em julgado”, isto é, o término do processo.
A eventual mudança na lei beneficia condenados na regra anterior?
A retroatividade não é automática. Ela é possível, mas alguns juristas avaliam que uma eventual redução na inelegibilidade pode ser contestada no Judiciário.
Na avaliação de Fernando Neisser, da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), o STF deve avaliar se essa eventual mudança valeria para condenações antigas ou só para novas.
— O STF já adotou a lógica de valer para casos julgados quando a Lei da Ficha Limpa aumentou o período de inelegibilidade, de três para oito anos. Por outro lado, o Supremo pode entender que a redução de oito para dois anos tornaria a lei inócua, violaria o princípio da moralidade, ou até que seria inconstitucional — disse Neisser.
Caso o STF não se debruce a tempo, o TSE também pode avaliar a retroatividade, ao julgar os pedidos de registro de candidatura. O advogado eleitoral José Rollemberg Leite Neto lembra que isso ocorreu em 2010, quando a Lei da Ficha Limpa foi aprovada.
— Na época, alguns postulantes que pediram o registro de candidatura já haviam cumprido o prazo de inelegibilidade que a lei previa, e acabaram tendo uma extensão desta inelegibilidade.
O prazo de inelegibilidade seguiria maior do que dois anos em outros casos?
Sim. A Lei da Ficha Limpa prevê outras hipóteses de inelegibilidade, para série de sanções criminais, bastando condenações em segunda instância. Em todos esses casos, a inelegibilidade seguiria de oito anos.
Bolsonaro pode ficar inelegível em mais casos?
Sim. Caso seja denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e condenado pelo STF no inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado, Bolsonaro ficaria enquadrado por crimes contra o Estado democrático de Direito, que são considerados pelo TSE dentro das hipóteses de inelegibilidade. O ex-presidente já foi indiciado pela Polícia Federal (PF) neste caso.
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