As eleições deste ano, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tiveram 432 candidatos garis. Desse total, apenas três concorreram a cargos de prefeito e, dentre eles, somente Nerivan saiu vencedor. Com isso, Caraúbas, cidade paraibana que fica na divisa com Pernambuco e que tem pouco mais de 4 mil habitantes, é a única do país que terá um prefeito gari.
“Até outro dia, a gente era gari e agora passou a ser ‘o patrão’, uma reviravolta grande demais. Com certeza, uma grande conquista”, comemora ele, em entrevista ao Metrópoles.
A vitória nas urnas teve um gosto especial para Nerivan. Nascido e criado na cidade, ele já havia se candidatado a prefeito em 2020 e obteve exatamente a mesma quantidade de votos que o adversário, que era o atual gestor em busca de reeleição. Cada um deles teve 1.761 votos e o gari perdeu a vaga no desempate por critério de idade.
A lei eleitoral estipula que, em caso de empate entre candidatos a prefeito em cidades onde não há eleitorado suficiente para justificar um segundo turno, a eleição é desempatada conforme alguns critérios, e a idade é o primeiro deles. Nesse caso, vence o candidato mais velho, e assim ocorreu em Caraúbas.
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Apesar da derrota, a quantidade de votos obtida por Nerivan em 2020, primeira vez em que ele disputou a prefeitura, foi um sinal positivo. O gari, que vivia limpando as ruas da cidade e era desacreditado por muitos, em razão da estigmatização da profissão, surpreendeu e tornou-se um nome de peso.
A primeira eleição disputada por ele foi em 2016, quando se elegeu vereador, com 209 votos. Entre 2017 e 2020, Nerivan conseguiu conciliar o mandato com a função de gari e, ao final do período, foi convidado por um grupo de vereadores para disputar a prefeitura.
O sentimento imediato, à época, foi de dúvida generalizada. “Foi o momento de maior reflexão. Fiquei fazendo várias perguntas para mim mesmo: e se eu perder? Como vai ser? E se eu ganhar? Por que eu sou candidato a prefeito? Qual é o diferencial que tenho que ter? E como será para a minha família? Terá perseguição?”, relembra ele.
Passado o pleito, o empate foi comemorado como se fosse uma vitória e elevou a confiança de Nerivan. O gari que duvidava de si passou a aceitar melhor a veia política e acreditar no próprio potencial. “Foi uma sensação de dever cumprido, de que estávamos no caminho certo, alinhados com os pensamentos das pessoas do nosso município”, descreve.
Na pré-campanha deste ano, ao ser escolhido novamente para disputar o cargo, o grupo em torno do gari ficou ainda maior, com apoio de outras lideranças políticas da região. Rapidamente, motes eleitorais como “Galera do Gari” e “Eu Tô Com O Gari” ganharam corpo e mobilizaram a maioria da população.
Nerivan foi eleito com 2.276 votos, 54,58% do total de válidos. Em entrevista ao Metrópoles, ele se emocionou ao fazer um retrospecto da vida, desde o trabalho como gari até chegar à prefeitura. “Eu nem sei o que dizer. Não sei, é uma vitória tremenda. Sair dali, de uma profissão mais dura, difícil e muitas vezes discriminada, para se tornar o prefeito é uma reviravolta”, diz ele.
Veja como foi a campanha na cidade:
A trajetória do prefeito eleito, no entanto, nem sempre foi de vitórias. Nerivan é o filho mais velho de um casal de agricultores e viveu a infância na zona rural, até os pais decidirem se mudar para a cidade em busca de melhores condições de trabalho e de estudo para os filhos.
Aos 23 anos, quando já namorava a atual esposa e tinha projetos de se casar, ele prestou o concurso da prefeitura, visando a estabilidade e a garantia dos planos futuros. “Escolhi concorrer para gari, pois era o mais fácil de passar e queria ficar garantido. Passei, fui convocado, as pessoas não acreditavam que a gente iria trabalhar, mas fui de imediato e comecei a trabalhar”, conta ele.
Na rotina da profissão, Nerivan viveu momentos de discriminação, que reverberaram, inclusive, na disputa política. Em 2020, por exemplo, era comum ouvir argumentos do lado adversário como: “‘Um gari ganhar as eleições? Vai nada. Um gari não ganha. Por que ele é candidato? Um homem desse é doido’, tinham essas perguntas na sociedade”, exemplifica ele.
Além disso, nos anos seguintes a 2020, após a votação empatada com o prefeito da cidade, o gari começou a ser fiscalizado de perto nas ruas do município, com pessoas do lado contrário fazendo fotos e vídeos para dizer que ele não estava trabalhando. Para contrapor a “perseguição”, Nerivan começou a fazer o mesmo, mas para se resguardar e comprovar a execução do trabalho.
“Essa história mostra que você pode ser o que você quiser, basta acreditar, buscar conhecimento e fazer a coisa certa, com responsabilidade. Não é porque você é gari que você não estudou ou é um despreparado. É uma profissão discriminada, mas não significa que a pessoa que está ali não tem condição de conversar ou dialogar com quem quer que seja. Que as pessoas comecem a ver de maneira diferente qualquer profissão, e claro a de gari”, diz Nerivan.
Veja um dos vídeos feitos por Nerivan durante o trabalho:
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