Após a péssima atuação neste domingo no Maracanã com derrota por 1 a 0 para o São Paulo, o Flamengo ficou nas cordas na luta pela Copa do Brasil. Não há expressão mais adequada para definir um time que não se cansa de apanhar em 2023 e que teve dois socos como os símbolos maiores da constante tensão que ronda o Ninho do Urubu durante a passagem de Sampaoli. Perdeu porque foi engolido no meio-campo e também por não ter machucado o rival mesmo com três atacantes.
Após o apito final, Sampaoli disse que faltou fúria ao Flamengo. Na verdade faltaram ideias para mudar o time diante de uma escalação infeliz, alternativas durante o jogo para tornar o trio de atacantes mais incisivo e tranquilidade ao treinador, que foi para o vestiário antes do fim do primeiro tempo e chutou grades com a derrota confirmada.
Faltou também disposição ao Flamengo. Ou "fúria", como o irritadiço treinador pontuou. Não dá para negar. Porém esse está longe de ser o principal problema. O condenável comodismo que boa parte do time apresenta é reflexo de escolhas erradas da diretoria, que muda treinadores a toda hora e que não troca no momento adequado, como aconteceu após o soco de Pablo Fernández em Pedro.
Dali em diante, o vestiário, que já não era muito falante, foi perdido em definitivo, mas o presidente Rodolfo Landim resolveu insistir na continuidade do trabalho de Jorge Sampaoli. O Flamengo já saiu da Libertadores, o título brasileiro virou utopia e a Copa do Brasil tornou-se difícil.
Sampaoli escalou mal o Flamengo. Bastou que Anderson Daronco apitasse o início da partida para perceber que o São Paulo tomaria conta do jogo, especialmente do meio-campo. Nos raros bons jogos que o time fez sob orientação do argentino, o setor foi povoado por quatro jogadores, como contra o Grêmio em Porto Alegre ou diante do Botafogo no Nilton Santos. Neste domingo, ele usou apenas três.
Pulgar, Victor Hugo e Gerson contra o quinteto formado por Pablo Maia, Rodrigo Nestor, Alisson, Wellington Rato e Lucas Moura. Fez tal escolha para privilegiar homens com "muito gol", como Gabigol, Bruno Henrique e Pedro.
O problema é que, com o domínio do meio-campo por parte do São Paulo, várias fragilidades rubro-negras se apresentaram. Para se jogar no 4-3-3 e fazer o jogo de "ida e volta" que Sampaoli tanto cita em suas coletivas, é preciso ter pontas rápidos. Na esquerda, o Flamengo tinha o veloz Bruno Henrique. No outro lado, porém, havia Gabigol, que não se destaca por velocidade e também não encaixa mais dribles.
Sampaoli foi muito mal mais uma vez pelo Flamengo — Foto: Fred Gomes
Resultado? O lado direito do Flamengo se oferecia para Caio Paulista e Rodrigo Nestor com muita liberdade. Gabigol não fechava a linha de passe por ali, e Victor Hugo, perdido no meio-campo e em momento ruim, também não ajudava. Dessa forma, o lateral-direito Wesley ficou sobrecarregado.
Gerson era um dos poucos que tentavam. Ele e Bruno Henrique protagonizaram a melhor jogada do Flamengo no jogo, mas o ponta acabou errando na hora de cruzar a bola para Gabigol.
Se Wesley sofria por um lado, Ayrton Lucas também deixava brechas no outro e fazia mais uma partida ruim. Com o São Paulo senhor do meio e Ayrton pouco atuante, Bruno Henrique era o mais impactado. Rafinha não precisava se preocupar em atacar e se dedicava exclusivamente a anular BH, algo que fez com louvor.
Bruno Henrique não conseguia receber uma bola de frente para dar o tapa no fundo. A única que conseguiu fui justamente a citada anteriormente. Ele girou no meio e passou para receber de Gerson. Tal dificuldade para ter o corredor livre incomodou bastante o camisa 27.
Sete parágrafos foram usados até aqui para detalhar as deficiências rubro-negras, mas o gol são-paulino passeia por várias delas. Nasce de um lateral em que sete jogadores do Flamengo estão no lado esquerdo do campo. Wellington Rato observa o buraco e inverte lançando em Caio Paulista, que entrega a Rodrigo Nestor.
Já com a bola pela esquerda, o São Paulo avança com Wesley marcando à distância. Nestor cruza no momento certo, Matheus Cunha não sai do gol, Ayrton Lucas se joga diante de Calleri, que cabeceia. O jovem goleiro também não se atira na bola, e o Tricolor abre o placar.
Flamengo com sete jogadores no momento em que Wellington Rato lança Caio Paulista — Foto: ge
A pedra já estava cantada, e Caio Paulista e Nestor já haviam chegado com grande liberdade por ali outras duas vezes.
Mais grave que os erros citados foi a participação ofensiva do Flamengo. Mesmo com os maiores artilheiros da atual geração - Gabigol tem 153 gols, Pedro, 97, e Bruno Henrique, 85 -, o time de Jorge Sampaoli não finalizou no primeiro tempo. Também pudera, já que não tinha meio.
Tal estatística não se repetiu em nenhum dos outros seis campeonatos que o Flamengo disputou em 2023. E olha que o Flamengo jogou mal em todos. O Rubro-Negro passou o primeiro tempo sem meio e sem meios para agredir o rival.
O primeiro tempo foi tão ruim que Sampaoli foi para o vestiário antes mesmo do apito. Em coletiva, explicou que o quarto árbitro havia dito que Daronco havia encerrado a etapa, mas não custava observar a movimentação dos jogadores do campo antes de partir em disparada para o túnel.
Após o intervalo, Jorge Sampaoli fez o elementar ao sacar Victor Hugo, que jogava muito mal, e colocar Everton Ribeiro, o mais criativo dos rubro-negros disponíveis. Mas era preciso também tirar um dos atacantes e colocar mais um meio-campista.
Ribeiro até melhorou a qualidade de passe do Flamengo, mas o time seguiu inoperante na frente. Gabigol seguia mal, Pedro prendia dois marcadores, mas mostrava alguma dificuldade em tabelas, e Bruno Henrique não infiltrava mesmo com mudança de posicionamento, um pouco mais centralizado.
O time, aliás, ficou com três atacantes na área, e Sampaoli liberou os laterais, o que fez o Flamengo ficar ainda mais sem meio-campo. Sorte dele é que o São Paulo recuou e não aproveitou.
Jogada de perigo na etapa mesmo só após dois balões. Um de Ayrton Lucas para a área, que Everton Ribeiro dominou bonito no peito e emendou com novo levantamento. Pedro cabeceou, mas Beraldo salvou.
Sampaoli só foi mexer aos 29 minutos, quando Gabigol deixou o campo mancando e sob vaias. Everton Cebolinha o substituiu, até apresentou mais movimentação, porém errou a maioria das tomadas de decisão. Não bastasse isso, a entrada do camisa 11 deixou o time totalmente bagunçado pelo lado esquerdo.
Gabigol sai mancando e é vaiado pela torcida. Mais uma atuação ruim do camisa 10. Com 30 minutos, Dorival já mexeu em cinco peças. Sampaoli só mexeu em duas. pic.twitter.com/qEq1UTPmH9
— Fred Gomes (@fredgomes1985) September 17, 2023
Mexeu três minutos depois, ao colocar Matheuzinho e Thiago Maia nos lugares de Wesley e Pulgar. O lateral-direito até fez coisas interessantes, mas nada capaz de mudar a cara do time. Por que Lorran, maior joia da base, não teve chance novamente? Por que trocar volantes na reta final do jogo?
O Flamengo finalizou seis vezes no segundo tempo, mas somente a cabeçada de Pedro levou alguma preocupação a Dorival Júnior, que se aproxima do bicampeonato pessoal na Copa do Brasil.
Sampaoli cobrou mais fúria, entretanto o que falta ao Flamengo é harmonia para um melhor entendimento dentro e fora de campo. Com seis dias de treinamento antes da finalíssima, o treinador precisará se preocupar mais em soluções simples para tentar ter um final de passagem tranquila pelo Ninho do Urubu. E os jogadores também precisam dar mais. O trabalho do argentino é uma grande decepção, mas os integrantes do elenco mais caro das Américas estão devendo muito.
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